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Notas de trabalho 

Aqui, como nos meus filmes precedentes, tudo começa na minha imaginação, depois torna-se na minha vida e nela se mantém muito tempo depois do filme terminado.

A realidade é muito complexa, as histórias dão-lhe forma. O reflexo da vida é, por vezes, mais interessante do que a própria vida.

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Este conto de Robert Musil, enigmático e livre de psicologia, tem algo a ver com isto. Agustina Bessa-Luís, numa escrita sem hesitação, insere os espaços insondáveis da novela de Musil traços muito concretos mas que, ao mesmo tempo, não nos dizem tudo, intrigam-nos. Seduz-me muito o não dito. Tudo o que se passa entre a Portuguesa e o marido (Von Ketten) assenta no não dito. Ninguém sabe ao certo se realmente existiram ou não. Não é a veracidade disso que importa. Esta história, num determinado período da História, rente ao Principado Episcopal de Trento, liga-nos a uma série de factos que reflectem –  em muito – o tempo actual, partindo do princípio de que os nossos antepassados não eram diferentes, apenas estavam num lugar diferente. Não é difícil fazer do homem gótico ou, do grego antigo, o homem da civilização moderna.

Não me interessa tanto de onde vêm as coisas mas para onde as quero levar. Se é verdade que uma pessoa só faz um único filme ao longa da vida, também é verdade – pelo menos no meu caso – que, a cada vez, se parte 'esse filme' mil pedaços para voltar a fazer de outra maneira. Nesse sentido serei sempre uma aprendiz.

Não procuro uma reconstituição histórica. Não desejo recuperar o passado, para mais um passado tão longínquo - nem creio que tal seja possível, ou tenha razão de ser.  No texto de Musil gosto do que nele há de contemporaneidade.

Quando o mundo lá fora nos pesa sobre a língua, e se misturam todos os discursos  em que entendidos e charlatães usam as mesmas fórmulas com mínimas diferenças, acredito que o A Portuguesa,  falará por si.

Os filmes nada salvam. E não estamos em condições de nos salvar a nós próprios, sobre isso não restam dúvidas. Mas, um filme onde estes temas estão implícitos parece-me certo e justo nos nossos dias.

 

Interessa-me tudo o que há de decisivo na vida; o que desafia o destino e que acontece para lá do entendimento. Como Musil disse algures: A grandeza humana tem raízes no irracional. E se filmo uma árvore, um rio, uma estrada,

é só isso que procuro entender e expressar.

Rita Azevedo Gomes

Agosto 2018

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